JOSÉ (FERREIRA) SIMÕES
( BRASIL – GOIÁS )
Nascido em São Luiz dos Montes Belos, Goiás, aos 22/07/1948. Veio para Brasília em 1964, onde vive até hoje. Casado com a professora e psicóloga Vera Lúcia Damásio Simões.
Cursou Letras e Pós-Graduação em Moderna Literatura Brasileira pelo CEUB. Pós-Graduação em Administração Escolar, pela Universidade Católica de Brasília.
É professor de Português, pela FEDF. Foi Diretor do Centro Educacional da Ceilândia. É membro da Academia Taguatinguense de Letras.
Obra publicada (até 1966): Poesia – Grito ao Tempo; Voo para a liberdade; Gotas de fantasia. Prosa - Aprendizes do amor e Amigos do peito verde.
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Possui graduação em Letras Português Latim pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília (1975), mestrado em Mestrado em Educação pela Universidade Católica de Brasília (1999)
e em Educação, pela Wisconsin University Extensio, Validado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2007), Registro 27.102. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Letras atuando principalmente no seguinte tema: leitura. Após 2007, dedica-se ao voluntariado e Projetos Socioambientais e Socioculturais e à atuação no Conselho Regional de Saúde
Taguatinga, participando e realizando atividades e eventos comunitários e regionais.
MOUSINHO, Ronaldo Alves. Vida em Poesia; 36 anos Poetas Escolhidos. Brasília: Valci Gráfica e Ed., 1996. 173 p. N. 01 175 Exemplar da Biblioteca de Antonio Miranda, doação do amigo (livreiro) Brito (em Brasília) em outubro de 2024.
CIDADE SOLIDÃO
Nasci assim, sozinha,
no meio do cerrado.
— Nossa mãe! Quem é aquele,
bem vestida, NAQUELE MUNDO?
O rosto no travesseiro...
Escuto o tempo fluindo
no mais completo silêncio.
Já tenho cicatrizes,
Vejo-me outra cidade.
As bocas já me fogem
na cerração da montanha
do frio perdido nas vias,
na ausência do calor contido.
A descoberta do dinheiro
no despenhadeiro da infância,
estátua de menina estuprada,
os quartos em túnel...
Tenho canais combinados,
tenho cicatrizes!
Nasce prematuro comigo
um certo modo de ver
o tempo que se converte
em rios sem correnteza.
As plantas se alongam
no meu sono de anos.
Estará tudo terminado,
o tempo convertido em dor?
Fecham-se os olhos para o amor,
para o ensino da solidão.
Melhor não chorar...
A esperança não está perdida,
nem a felicidade,
nem a vida!
Passado o primeiro amor,
o segundo e o terceiro casos,
o coração continuará
o melhor amigo.
Talvez haja um cão
vagando nas ruas,
possuindo casas,
edificando memórias,
fazendo comícios
que elejam herdeiros
deserdados do amor.
Talvez haja muralhas imaginárias
que edifiquem protestos retos!
Tudo foi somado, dividido?
As precipitações das águas;
as ressacas dos ventos;
as fuligens dos autos?
No escuro das comemorações
brindam-se gravatas
degustando jantares
dessa fome que não come
o meu silêncio,
a minha solidão.
Mãos enrugadas, veias grossas
estenderam-me os olhos à interrogação,
deram-me uma carteira de identidade:
Brasília, capital da Esperança!
Minha imobiliária é perfeita!
Mas... O desconforto desse chão...
O frio instalado em mim
que me vejo calma
sentindo o vazio,
perdendo a alma,
abrigando inimigos,
aceitando a noite.
Sinto corpos cheios de facas,
de gritos, de pressa...
Cheios de outras saudades,
de outras pessoas,
de outras cidades...
Admirada, exaltada, cobiçada...
Nunca desejada.
Não há comunicação
entre a “oitava maravilha”,
patrimônio da humanidade,
e a tua felicidade,
o leito do teu coração.
Meu segredo está nos papéis,
nas casas que se habitam
nos assentamentos sem acentos
pendurados no ares...
Acorrentadas “Samambaias”
excluídas aos “Recantos das Emas”...
Há ruas que se trafegam
no “Céu Azul”
de “São Sebastião”,
sem amizades conquistadas
nas pontes dos lagos,
sem novos amores,
sem tantas flores!
No contato telepático
dos vizinhos estranhos,
orgulhosos da clausura
da chave do pensamento,
o pigarro se instala...
Sem visitas aos sábados,
sem missa aos domingos,
sem crianças que brincam
no labirinto da liberdade!
Ah! Mas há muito verde!
As ruas são largas,
de alta velocidade!
A arquitetura é linda
moderníssima, perfeita!
Sinto a Câmara levada às matas,
sem passos na escada, sem cachorro,
sem eleição de valores...
Sinto que sobem os soldados
empaiolados nas armas
que sobem o vermelho
e ousam matar
dessa morte humana imorrível,
soltando os cachorros!
Minha voz foi à frente,
mas era proibido caçoar,
era proibido gritar,
era proibido ver mais longe,
reconhecer rostos
e a tirania do mundo
da gramática da opressão!
Talvez seja proibido amar
desse amor identidade
que como cadeia.
Melhor procurar parentes distantes,
melhor apenas colegas de trabalho,
colegas de prédio,
colegas de bar,
colegas...
Quiseram me abandonar
ao modo mais curioso:
o modo de estar e não ser,
de falar e não dizer,
de ter e não possuir,
de habitar e não residir...
Tantos corpos em mim,
miscigenação de outros amores.
Místicas vias de mão única,
pirâmides que me veem de costas,
do lado de fora,
da arquitetura da cultura,
e dentro da história.
Por que fundar este município?
Por que construir barracos,
largar as terras e os passados
e os problemas do campo,
se aqui não há sobrenomes a preservar
e em mim não se inauguram antepassados?
Por que plantar essa juventude
que não se sente em mim,
conservar essas falas sincopadas
e dos jovens bêbados
por absoluta falta de opção?
O êxtase, o modo mais estranho:
adotar estado de ausência
não estando nem sentindo,
não conversando
e não entendendo
os meus botões
e os escudos dos rótulos
ou as nuvens de pó do poder...
Eu deveria ter poderes maravilhosos,
atravessar portas
desatar nós,
aguar rios,
fazer espetáculos,
em morte de filhos,
sem dramas familiares...
Expulsar assombrações das ruas,
usar apenas o passo firme
que vem ao presente
varrendo as fazendas
e os segredos dos tesouros,
as riquezas das coisas
apossadas de seus segredos.
E, o que me fizeram:
abrigo de desterrados!
Senzala de migrantes
enjaulados nas causas
e nas promessas de cartazes
e nos olhos da ambição
que impede a própria visão
do lote doado a voto
para o curral do animal
com olhos vendados!
Só, e distante!
Há tanto que me dizer
e não ouço nada.
Sou apenas palco da ilusão
das longas conversas
de palavras poucas
em seus significados
nas rodadas de “pizzas”...
Sou dona de mim?
Tu, que me ouves,
que me habitas,
es dono de ti?
Guardo, talvez,
meu amor escondido no teu.
Eu te intimido
e tu me rejeitas,
mas somos, talvez,
a rosa e o espinho
nascidos neste cerrado
tão carente de adubo
e de calor humano.
Já não precisas esconder-me
no escuro do teu desprezo!
Não te roubei o amor antigo
nem construí cercas de espinhos
impedindo a tua volta!
Já não preciso guardar-te
por “debaixo de panos”,
como presente de aniversário
ou revelação surpresa
de relatório secreto.
Estamos condenados ao amor
platônico e solitário, operário.
Tu, personagem central.
Eu, o palco em que se encena
a arquitetura
pano de fundo
das minhas criaturas!
Nossa tragédia à brasileira
terá de ser mais brejeira!
Nossa fibra ótica
terá conexões exóticas
entre as estrelas
de caminhos das pedras.
Haverá flores no campo
e nos jardins e nos canteiros
onde palhaços de caras limpas
decretam atos ilegais
e penhoram fios de cabelo...
Tu te gritas:
— Sossega, leão avarento!
Leão domado por um pinto
que não canta de galo
na espora da história
que ao se concluir
meninos lhe farão “xixi”..
Deixemos de hostilidades,
a solidão é o ópio.
Busquemos a felicidade
dentro do leque
que faz o vento
do sentimento.
Por cima dos muros do futuro
nos engravidaremos um do outro
num orgasmo caboclo,
cheio de caretas sarcásticas
e de gritos drásticos
tão feios e tão bonitos,
mostrando aos constituídos
que aos ouvidos daqui
é permitido ouvir,
que aos olhos daqui
é permitido ver,
que aos homens daqui
é permitido ver,
que aos homens daqui
é permitido amar,
que aos lábios daqui
é permitido sorrir...
Ainda que seja para si.
Não sou apenas a tua capital,
sou a tua cidade, a tua sede...
Se não tenho tudo que me pedes,
é que me falta o teu presente:
olhar-me com olhos de gente
que sente com os poros
que os espinhos da mente
são quebrados e queimados
na fogueira das carícias
quentes e recíprocas
que nos levam à cama,
onde nascem os sonhos
que vivem o amor!
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Página publicada em janeiro de 2025
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